ABORTO, VAMOS FALAR SÉRIO?

22/06/2018 21:25

Muitos países estão legalizando a prática do aborto, e eu gostaria muito de ver o mesmo entusiasmo e veemência em prol de programas e atitudes para prevenir o aborto ou cuidar daquelas que não podem cuidar de si, muito menos de outro. Infelizmente se trata de mais uma polarização onde se discute opiniões pessoais, pautadas em construções culturais, religiosas e ideológicas, e não a questão em si. Gosto de ser objetiva nos meus textos, mas em relação a esse assunto tão complexo, com tantas variáveis, com tamanha abrangência, serei um pouco prolixa, considerando que cada vida, seja da genitora ou do fruto do seu ventre, carregam além da sua individualidade, contextos diferentes. 

Antes de prosseguir gostaria de deixar claro que não sou a favor do aborto, como também não sou a favor de uso de qualquer tipo de droga que não tenha uma indicação médica em virtude de uma necessidade gerada por uma patologia. A discussão que tenho presenciado desemboca sempre na polarização: contra X a favor. Acredito que nenhum ser humano sensível e coerente pode ser a favor de algo tão dramático como o aborto, mas a questão não é essa, e sim a legalização do mesmo. Mencionei a questão das drogas porque o álcool, por exemplo, é capaz de matar, destruir famílias, pessoas, gera um risco enorme e ainda assim é legalizado. Então a solução não é a proibição, acredito que seria ainda pior, pois é o que acontece com as drogas: tráfico, mortes, aliciamento de menores, etc. O impedimento não impede o fato, apenas colabora para que este seja praticado na clandestinidade, produzindo cartéis e aumentando os riscos. Com o aborto acontece a mesma coisa. As pessoas que abortam continuarão fazendo isso, aumentando o perigo e alimentando mercenários aborteiros, além de reforçar uma realidade de despreparo social e violência contra a mulher. Baseado em internações decorrentes de abortos o Datasus, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, indica que em 2016 foram realizadas 197.026 internações (engloba também abortos espontâneos e casos legais). Em 2009 esse registro era de 223.165 atendimentos. Dados revelam que, anualmente, cerca de 55 milhões de mulheres fazem abortos no mundo e que 45% de submetem a procedimentos inseguros. Certamente todos aqueles que se interessam pelo assunto conhecem esses números. Minha intenção não é discutir o ato de abortar ou não, mas o que é possível fazer para minimizar os danos, seja para a mulher, seja para uma vida em formação.
É muito fácil opinar sobre aborto, de fora da situação. Optei por um referencial para mim, se uma mulher pensa em abortar, tento mostrar as implicações, tento ouvi-la, ajudá-la dentro das minhas possibilidades profissionais e pessoais, todavia, se ainda assim ela escolher abortar, se eu não puder dizer: “tenha esse filho, vou lhe ajudar a criar, vou estar presente com você nessa missão, vou lhe dar apoio emocional, financeiro, logístico” se eu não puder fazer isso, também não posso julgá-la. Posso não concordar, mas não posso julgar, muito menos chamá-la de assassina. Dados (2011 a 2015) mostram que 32mil casos de estupro de meninas até 13 anos culminaram em gravidez. Conheci uma mulher que foi estuprada numa esquina com uma faca no seu pescoço, ela recorreu ao aborto; conheci outra, abusada pelo padrasto, que ficou grávida e decidiu ter o filho. Não há como julgar nenhuma das duas. 
O que muito me admira é que a cruzada contra a legalização do aborto, não faz o mesmo em relação à pobreza. Crianças convivendo na rua com ratos, crianças brincando em esgotos, crianças maltratadas, abusadas, cenas que não chocam a tantos como restos abortados. E aqueles que defendem a legalização com tanta intensidade são contra a esterilização compulsória, até mesmo se recusam a discutir o assunto... quer dizer, arrancar uma criatura viva (sim, porque pode ainda não ser uma criança, mas já está vivo, tem um coração batendo) a ferros, ou queima-la é normal, mas impedir uma mulher fazer filho é uma afronta à liberdade. Qual a liberdade e direito de um feto? Ou uma vida em formação não tem direitos? A mulher e o homem podem “fazer criança” quando quiserem e tirá-las quando quiserem?
Enfim isso me soa um pouco hipócrita de ambos os lados, não é uma hipocrisia voluntária, por vezes, nem consciente, mas é... lutar por um feto e desprezá-lo depois de nascido ou festejar o direito de arrancá-lo simplesmente porque não o deseja, e não considerar o direito à vida... me parece incoerente. 
Na minha opinião a legalização não é o que realmente importa, legalizar apenas vai ajudar mulheres, com maior poder aquisitivo, fazerem seus abortos com menos riscos e proporcionar a algumas mais pobres essa possibilidade, mas o problema vai continuar. Ao meu ver a pauta seria: O sistema de saúde falido que deixa uma gestante morrer na porta de um hospital, poderá assumir os custos do aborto legal? não seria melhor investir em esterilização voluntária, ajudar mulheres que não desejam mais engravidar? ao invés de ficar atacando a legalização, não seria melhor lutar por centros de assistência às mulheres, especialmente às que sofreram estupros? não seria melhor as famílias pararem de passar a mão na cabeça dos seus filhinhos que só querem transar sem camisinha, e na hora que engravidam as filhas dos outros, recorrerem ao aborto? ou ainda, não seria muito mais útil otimizar o sistema de adoção? Não deveria ter maior rigor para casos de estupros? Como disse, a pauta é muito maior, é complexa, cada caso é um caso a ser analisado, as generalizações não podem ser aplicadas. Quando vejo cartazes “pró vida” com fetos mutilados, ou cartazes de “meu corpo, meu direito”, só consigo lamentar. Que humanidade desumana.