A Síndrome da Mulher Mal-Amada

02/03/2017 21:08

  “Mulher mal-amada” é  uma expressão usada para definir reações sociais femininas desconfortáveis como mau humor, pessimismo, vitimização, agressividade, possessividade. Não há como “mal-amar” alguém, ou se ama ou não se ama. O “amor mau” ou o amor que provoca o mal pode ser apenas patologias ou comportamentos maquiados.

    O amor acontece para todas as criaturas, mesmo as mais desprezíveis, até mesmo aquelas que rejeitam o amor na sua essência. Não há quem nunca experimentou alguma nuance do amor. Se não o humano, com certeza o divino, o transcendente, o amor que não se explica nem se entende. O amor em suas formas mais inuzitadas e imprevisíveis que nos surpreende nos momentos da alma vazia.

    A sensação de mal-amada não está relacionada à ausência de amor e sim à pobreza de sua manifestação. O amor mal aplicado, mal entendido, o amor perdido e equivocado.

    A síndrome da mulher mal-amada começa na expectativa fantasiosa dos relacionamentos perfeitos.  As pessoas só podem dar aquilo que têm. Não há como colher maças em um coqueiro. Ansiar além do que um relacionamento pode proporcionar alimenta o sentimento do amor incompleto, do amor mentiroso do amor mau.

    A mal-amada possui baixa autoestima, quem não se ama não consegue se sentir amada por ninguém. Crer que algo especial pode acontecer com ela é quase utópico, o que torna a existência cotidiana extremamente frustrante. Nunca encontrarei alguém que me ame verdadeiramente; jamais alguém me amou; minhas amigas são amadas, eu não. A baixa autoestima nada mais é do que uma desvalorização do ser. Fruto de bulling ou referências sociais padronizadas, essa pouca valia destrói a possibilidade de uma imagem sadia embasada nos valores pessoais.  “... se eu lhe disser quem sou, você pode não gostar de quem sou, e isso é tudo o que eu tenho” (John Powell). Necessário é desconstruir o conceito internalizado de que o que vale não é o ser, mas o padrão estabelecido pelo núcleo social-familiar ou  pela cultura vigente. Reconhecer suas limitações não significa anular sua potencialidade. O texto bíblico de Coríntios 13 diz que o amor alegra-se com a verdade. Ser é nosso maior tesouro, esse ser desprezado pode ser restaurado e potencializado a partir da decisão de reconhecê-lo, aceitá-lo e amá-lo.  

    A insatisfação crônica coopera para a síndrome da mal-amada. Nada é suficiente, a adversativa “mas” é constante em todos os seus julgamentos.  Ele me deu um presente, mas não gostei; a viagem foi boa, mas não aonde eu queria; ele me levou para jantar, mas num restaurante sem nenhum charme; tenho o suficiente pra viver, mas não consigo fazer nada especial; comemoramos nosso aniversário de casamento, mas tive que lembrá-lo. A insatisfação crônica tem a ver com a demanda de desejos que jorram através da mídia cuja realização não é impossível, mas insuportável.  No processo de descontentamento surge a vertente da inveja e consequentemente as comparações e crescente competição velada com o outro na busca, quase sempre insana, de uma plenitude emocional. “Estive em muitos lugares e só me encontrei em mim mesmo” (John Lennon).  Encontrar a satisfação em si e não no outro é fundamental, é desviar o olhar do que falta para o que pode ser. Ele se esforçou para me dar um presente; a viagem foi boa, outras melhores virão; adoro quando ele me leva para jantar; assim como tenho o suficiente para viver, posso ter para realizar meus sonhos; ele continua sendo o homem por quem me apaixonei, não está nem aí pra datas.  

    A carência é outro elemento potencializador do complexo da mal-amada. Ela se conforma com migalhas na crença de que qualquer coisa é melhor do que nada. Tal perspectiva é enganosa, pois qualquer coisa é pior do que nada. No nada existe a possibilidade de um começo. No nada existe um espaço para ser ocupado. No qualquer coisa, não existe esse espaço, pois já é inteirado pela insuficiência. Mulheres que saem com qualquer um; que se deitam com qualquer um; que se casam apenas para não ficarem solteiras; que mantêm um relacionamento apesar dos abusos, desgastes, indiferença. Essas mulheres desejam se sentir especiais em algum momento, mesmo sabendo que o que têm são sobejos. O resultado é uma mulher não amada e não mal-amada.  A carência  deve prioritariamente ser preenchida por si mesma e não pelo outro. Consiste entre outros movimentos na identificação do bem estar pessoal, e assim investir no que pode contribuir para a manutenção desse status emocional.  O que me faz bem? O que me faz feliz?

    A mal-amada é uma mulher culpada. Não se sente merecedora do amor. Tende a interpretar qualquer evento desagradável ou penoso como um castigo ou consequência do seu “comportamento errado”. Vive se perguntando: onde foi que errei? O que estou fazendo de errado? Tem alguma razão para isso estar acontecendo comigo. Por que nada dá certo para mim? Procura sempre uma explicação para sua incompletude, para sua infelicidade. A culpa é excelente para justificar o incompreensível.  Impossível falar de culpa de forma ojetiva, todavia a culpa da mulher mal-amada tem seu foco na abnegação dos seus sonhos, e a resignação de uma existência estéril.  Enfrentar a culpa não é se penitenciar, mas se perdoar.

    A mal-amada é insegura. A insegurança é um dos principais combustíveis do ciúme. Este por sua vez exacerba a necessidade de controle sobre o outro fazendo a crer que tal controle pode assegurar o amor-bom. “Dê a quem você  ama asas para voar, raízes para voltar, motivos para ficar” (Dalai Lama).  A incerteza relacional danifica o reconhecimento do amor e prejudica sua construção. A pessoa consome tempo, emoções e energia em cobranças constantes, suspeitas e intermináveis discussões sobre a relação. Ter consciência de que os sentimentos alheios não são objeto de nosso controle pode parecer ameaçador, todavia é libertador.  No capítulo quatro do evangelho de João, lemos que “o perfeito amor lança fora todo o medo, pois o medo produz tormento”.  O medo da perda é matéria prima da angustia. Não perdemos ninguém, perdemos apenas o que nunca tivemos. O investimento no aprofundamento das raízes relacionais, como amizade, respeito, desejo, prazer, cumplicidade, fortalecem a segurança trazendo serenidade à relação.

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